Contactos Athaulphia - rebeldes portugueses

Noite em Athaulphópolis. No aparcamento da Praça de Santo Amaro aguarda uma carrinha azul da "Peixaria A Gaivota - Fontao", ocupando a praça 212 no nível -2.

Dentro há três agentes do SIS: O agente Ortega aguarda sentado no assento do conductor; ao seu lado, o agente Pacheco está encarregado da vigilância e olha nervoso ao relógio. Na parte traseira está oculto o agente Nicomedes Medina, do Departamento da Análises Estratégicas do SIS, um dos homens de confiança do Director-Geral do SIS, com instruções directas do Governo para tratar com o representante dos rebeldes do Porto. O plano é recolhe-lo e sair, para manter a reunião enquanto circulam pela estrada.

Já quase é a hora.

- Boa noite, senhor Campos. Somos do Serviço de Inteligência e Segurança de Athaulphia, e para já esta reunião não está a ter lugar, no menos até que tenhamos a informação da que precissamos - respondeu o agente Medina. A seguir, fez uma indicação aos outros, que acenderam a carrinha e saíram do aparcamento, com rumo desconhecido.

- O meu nome em clave é Agente Platino, e esses dois que estão a guiar são... dois colegas. O senhor pode pensar que estamos a tomar demassiadas precauções consigo, pero os motivos são simples: aínda não sabemos em qué é que isto vai dar e não somos muito optimistas. Embora deste lado do Atlántico são óbvias as simpatias com qualquer coisa que possa levar a Ibéria ao século XXI (políticamente falando), os escassos dados que temos do que está a acontecer são preocupantes. Aliás, os seus amigos do Porto estão bloqueados lá e o régime não permite que chegue informação, além de uns poucos rumores que não são de muita ajuda.

Como dizia, estamos preocupados com o sucesso do seu levantamento. Os nossos... analistas, consideram que o golpe foi precipitado e pouco preparado: não tivemos notícias de levantamentos em mais lugares do que o Porto, nem ouvimos de qualquer movimento em Lisboa. Ou se calhar houve-os, mas o régime conseguiu ocultar o que acontece, não sabemos; esperamos que o senhor poida esclarecer o que acontece. Quando tivemos a primeira notícia do levantamento no Porto, esperámos que imediatamente fosse seguido por mais levantamentos coordenados em Lisboa, em Madrid, Barcelona... e em qualquer centro estratégico; mas não ouvimos nada, apenas alguns rumores sobre as forças que têem no Brazil, mas isso mal ajudaria se não há apoios no Continente. Esperávamos que tivessem mais grupos conjurados em outras cidades, mas ao que parece apenas estavam no Porto. Também esperávamos, como mínimo, que fizessem qualquer movimento em Lisboa: um despregamento de unidades que bloqueassem o Palácio Real ou controlassem os ministérios, a rádio, a TV... mas não ouvimos nada, e ao que parece o Rei e as autoridades do régime não foram travados e têem total liberdade de actuação para reprimir o levantamento. E estando este limitado ao Porto, não deveria ser dificil esmaga-lo com todo o poder de Lisboa e toda Espanha do lado da reacção.

Bem, isto é o que vemos e por isso não estamos optimistas. Gostávamos de estar enganados, e esperamos que você nos poida dar a informação que não temos, sobre os apoiantes que têem dentro do país, nos governos português e espanhol, governos locais, forças armadas e policiais, milícias... se o chefe disto, ou um dos chefes, é o brigadeiro Corte Real, que até ontem era o chefe do governo português, não nos é possível acreditar que não preparasse a operação colocando aos seus leais nos postos clave da administração e do exército, para dar um golpe rápido e limpo chegado o momento. Até agora apenas ouvimos falar nas forças do Porto e algumas unidades da Armada.

Quanto a nós... podemos dizer que a gente gostaria de... investir no seu negócio, mas como comprenderá, queremos ter certas garantias de que é um negócio bem feito e com possibilidades de sucesso. Não se trata apenas de dinheiro, isso é o que menos nos preocupa: o que nos preocupa é implicar-nos em uma aventura condenada ao fracasso por uma mala preparação, e com elo chatear à primeira potência militar do mundo, você percebe. O qué nos pode contar?

OOC: tantas mudanças dos acontecimentos no meio das reuniões dam cabo do jogo, pah

O "Agente Platino" olha para Campos com surpresa: essa não era a informação que recevera umas horas antes quando foi enviado a esta missão. Enquanto o Ortega guia a carrinha pela zona dos cais, "Platino" duvida se fazer uma chamada aos superiores... mas a chamada chega sozinha, para maior surpresa. No ecran do telemóvel aparece "chamada de: Tía Dorinda" e o agente abre os olhos ao máximo: isso significa que o próprio Diretor Geral do SIS estava a ligar para ele.

- Desculpe um minuto, senhor Campos, chamada importante.

A conversa é rápida, apenas duas frases. Ao rematar, "Platino" fala para o Ortega, em galego:

- Cambiaron os plans, meu: imos pr'ó "cortello", e axiña! Chamou o "sursumcorda", que seica hai novidades das gordas!

A carrinha acelera e muda de rumo: antes estava a dar voltas para fazer tempo, agora vai a um lugar conhecido e com presa. Contudo, não estavam longe e não demoram mais do que uns poucos minutos. Entram na garagem de um hotel do centro e depois numa entrada a "aparcamento privado", que os leva a umas instalações do SIS.

- Senhor Campos, estamos indo para outro local: houve novos acontecimentos nas últimas horas e os meus superiores querem falar diretamente consigo. Não havemos demorar...

Finalmente chegaram e desceram da carrinha: aguardava por eles um homem de fato azul, alto e gordo, careca e com um grande bigode: não era muito conhecido, mas era o Diretor Geral do SIS, o General Vicente Ibáñez, mas não se apressentou como tal: simplesmente era "um chefe".

- Boa noite, senhor Campos. Seja bem-vindo.

Todo o grupo começou a andar por corredores e elevadores, até chegar a um pequeno escritório. Campos, "Platino" e "o Chefe" sentaram nas três cadeiras que havia, enquanto Ortega e Pacheco sairam. "O Chefe" começou a falar:

- As coisas estão a contecer muito rápido, senhor Campos. Chegaram notícias do Porto, do resto de Portugal, do Brasil, das Guaianas, até de Camelot - disse, encuanto carregava nervoso botões no computador que tinha na mesa - Os seus amigos têm acima deles uma frota britânica com os canhões apontados para o Porto, e Lisboa não se mexeu... mas semelha que estão a reunir mais forças e estão a se extender pelo Norte. O que mais nos preocupa é o que possa acontecer em Espanha, mas temos pouca informação. Seria uma desgraça que conquistassem o poder em Lisboa para depois ser esmagados por um exército reaccionário vindo de Madrid.

Cuanto à América do Sul, estão a ter um grande sucesso: o Brasil apoia oficialmente a sua causa e até estão a mandar tropas de apoio. As Guaianas, Potosí... as suas forças coloniais estão com vocês, ou em qualquer caso não se podem opôr...

"O Chefe" fica calado um momento enquanto lé no computador os relatórios que lhe estão a chegar, quase em tempo real.

- E o mais espectacular é isto, que não sei se viu - Ibáñez vira o ecrá para Campos e mostra um video da TV norteamericana, no que se ve a sessão da Câmara dos Lordes na que Sir Richard acava de ser aclamado "speaker" e Lorde Protetor - Isto pode ser o começo da fim da "meredithadura"...

- Bem, senhor Campos, vou-lhe fazer uma proposição - disse "o Chefe" - Quanto a si, para já, o senhor vai ficar em Athaulphia baixo a nossa custó ... nossa proteção até que esta revolução acabe. Se as coisas correm bem, regresará ao Porto cheio de honras e satisfação pelo seu contributo ao trunfo da revolução e tal e qual... se as coisas correm mal, terá garantido assilo no nosso país, podo-lho asegurar.

Quanto aos seus colegas... já ouvimos os pedidos de apoio dos "irmáns galegos", que também se revoltaram, mas como terá visto, o governo athaúlphico está a manter uma postura... "aséptica" de neutralidade, por motivos de alta diplomácia que se calhar são demassiado grandes e difíceis de perceber para nós. Mas também terá visto que, a nível popular, os athaúlphicos estão do seu lado. Há doações de dinheiro, até há voluntários que querem ir lá lutar... portanto, não seria estranho para ninguém que vocês recebissem, obviamente como parte desta maré de simpatias populares, uma boa quantidade de dinheiro para financiar sua rebelião, para comprar armas e equipamentos... ou melhor e mais útil: para comprar vontades nos postos clave do régime e inclinar definitivamente a balança para o seu lado.

Temos por cá uma misteriosa organização athaúlphica de apoio aos rebeldes, um grupo masónico, ou carbonário, sei lá... que pode aportar, de começo, um ponto para apoiar à Junta do Porto. Se calhar até podiam dar dois, mais para já contem com um. Que ninguém faça perguntas: nem quém dá esse dinheiro, nem de onde o tirou, nem quem está por trás; se todos são discretos, os rebeldes receberão o dinheiro, pelos caminhos tortos e misteriosos que gostamos no mundo dos serviços de inteligência...

Bem: acha tentadora a proposta? acha que poderiam assegurar o seu trunfo com essa ajuda?

- Falo-lhe de dinheiro em geral para que utilizem como melhor lhes pareça, para que isto tenha sucesso. Falo-lhe de financiamento, definitivamente: em qué o gastem é com vocês, sempre que sirva para a vitória. Esse dinheiro pode ficar disponibilizado imediatamente. Pense que o dinheiro é a combustível que faz tudo andar. E se fazemos as chamadas adequadas aos gajos adequados, esse dinheiro pode ser imediatamente transformado em armas para equipar a todos esses voluntários que estão a afluir ao Porto. Temos contatos com traficantes, se o senhor me entende. Pode que não goste do método, pero nós também temos que nos proteger e, ainda que lhe pareça estranho, isto é o caminho mais seguro para nós.

Os subornos são outra opção, é certo, e entre a nossa gente são preferíveis, porque com eles podem ser atingidos os objectivos poupando a destruição e a perda de vidas dos combates: em vez de ter que derrotar aos defensores de Lisboa, pode-se conseguir que se unam ao bando próprio enchendo os bulsos certos... mas como já disse, é com vocês: se prefirem a glória do campo de batalha... isso dá mais condecorações para o pessoal. Mas, concluindo, nós conseguimos-lhes os fundos e vocês, que conhecem melhor o terreo e o pessoal, usam-nos.

O General Ibáñez não podia pôr cara arriba todas as cartas: realmente, essa misteriosa "organização" que daria o financiamento para os rebeldes era, simplesmente, o Governo de Athaulphia; e esses misteriosos "traficantes de armas" eram os próprios serviços secretos de Athaulphia, por indicação do governo. Mas em nenhum caso isso podia ser revelado, pois uma actuação "à vista" não seria apenas um escándalo, mas também um perigo para a seguridade nacional. Todo devia ser feito através de "máscaras" e "organizações pantasma". Regras da casa.

Ibáñez olhou surpreendido: "Qué pouco nos conhecem, pá", pensou. Depois de um bocado de silêncio escolheu responder com ironia, e se calhar com um pouco de sarcasmo. Recostou-se na cadeira e olhou para o tecto enquanto fazia uma lista:

- Bem, para começar teriam que dar, e muito, ao Chanceler para que desse a ordem, e ao Presidente da República para assina-la. Depois, a um mínimo de 50 deputados para darem o seu "placet", pois qualquer intervenção militar no exterior deve ser ratificada pela Xunta. E guardem um bom monte de dinheiro para dar a todos os magistrados do Supremo Tribunal, para que não metam na cadeia a todos os anteriores por violarem a Constituição e várias leis, além dos cargos por aceitarem subornos. Outro jeito é dar o dinheiro ao Almirante da Frota, que nem lembro o nome dele, mas também tinham que pagar aos subordinados e superiores todos dele para que nenhum o demitisse do mando por cometer um acto de sedição, em aplicação de não sei qual directiva...

Voltou a olhar para Campos e adoptou um tom mais sério:

- Olhe, nós não funcionamos assim. Athaulphia não tem o costume de andar mandando frotas e regimentos a invadir países, como fazem outros, porque as nossas Forças Armadas têm como missão a defesa do nosso país, não a intervenção na soberania de outros, porque não somos um império nem uma potência intervencionista. Não é nada pessoal, é que está nas nossas leis. Se houvesse qualquer tratado assinado, tipo Tratado de Estocolmo, as coisas seriam diferentes, mas como disse, o nosso exército está para defender-nos de ataques exteriores, e participar em missões internacionais de pacificação autorizadas pela SdN. O que me está a pedir não é possível, neste país: isto está cheio de "checks and balances" republicanos que o impedem.

Aliás, o meu trabalho é, entre outras coisas, evitar perigos e ameaças para o país, desde a raiz. E um perigo para o país seria implica-lo numa guerra civil em ultramar, estando implicadas superpotências como Espanha ou a Britannia: se hoje enviamos as nossas forças a Portugal, amanhã podemos ter cá diante uma frota leal aos carlistas, um exército britânico mandado pela Meredith a nos bombardear ou se calhar um Tavington chacinando athaúlphicos. A relação entre custos e benefícios para o país é esmagadora. Simpatizamos com a sua causa, mas não até ao ponto de pôr em perigo o nosso país.

Contudo, queremos ajuda-los, mas dentro das nossas possibilidades e a nossa capacidade de manobra. Já lhe disse que Madrid não vai aceitar fácilmente a sua revolução e vão necessitar fundos para soster o seu esforço contra eles. Nós podemo-lhos dar. Se calhar agora não lhe parece muita ajuda, mas chegará o momento em que será vital. Isso é o que lhe podemos dar para começar, e dependendo de como corram as coisas já se háver. Mas para já estamos a lhe oferecer, de entrada, até dois pontos, que é uma grande quantidade de dinheiro... e sem pedir-lhe nada em troco, além da sua discreção. É mais do que poderão conseguir de outrem.

"Não acredito o que estou a ouvir", pensou Ibáñez: "Este gajo está a recusar apoio financeiro de primeira ordem para o seu movimento e além disso se permite insultar-nos!?". Ibáñez olhou para o agente Medina ("Platino"), que estava junto da porta, com olhar interrogante. Medina estava tão chocado como ele. Depois de pensar por uns segundos, Ibáñez pôs rosto sério e apenas disse:

- Bem, senhor Campos, em tal caso o agente Platino acompanha-lo-á à saída.

"Platino" abriu a porta e ambos, Campos e ele, saíram, enquanto Ibáñez ficava no quarto. Antes de fechar a porta, "Platino", assomou para dentro, para comentar qualquer coisa com o chefe:

- Entón, xefe, cortamos sen máis? Non vai haber máis contactos con esta xente?

Ibáñez já tinha o telefone na mão para ligar para os seus superiores e informar do acontecido. Erguendo a sobrancelha e com rosto chateado, respondeu:

- Talvez, cando manden alguén serio, non "heróes de romance de guerra" como éste. Se pensa que imos pór en risco a vida dun só athaúlphico para que eles saian do século XVII para, como moito, chegar ó XIX, vai listo: nós vivimos no XXI. E se, pudendo face-la revolución de maneira limpa, prefire facela a paus e encher todo de sangue, e enviar os rapaces a morrer ás barricadas ou ás trincheiras, é cousa súa. Déixeo onde o recolleron e o carallo. Caso pechado.

- Dacordo, xefe.

O agente acompanhou a Campos à mesma garagem, mas desta vez colheram um carro "disfarçado" de taxi, com o agente facendo de taxista. Sem falar, guiou o taxi até a aparcamento onde recolheram a Campos umas horas antes para deixa-lo lá.